Porque a música é uma só, é universal... e vai Longes

O homem é um ser que tende a categorizar tudo. Alimentos, bebidas, roupas, calçados animais, plantas, ciências, crenças, ervas, medicamentos... Enfim, tudo. E a música também sempre fez parte dessa separação de gêneros. Determinamos o que é rock, o que é pop, o que é MPB, o que é música regional, o que é clássico, o que é jazz, o que é blues etc.. Tudo separado e rotulado nas lojas de discos e nas plataformas digitais. Afinal, o cliente tem que saber qual produto está adquirindo, certo?
Pense bem.
Se pararmos para prestar atenção, veremos que, apesar de tanto fracionamento, de tanta divisão de estilos, a música, lá no fundinho, se resume a três coisas: melodia, harmonia e ritmo. Sendo assim, e percebendo que todos esses zilhões de gêneros e subgêneros criados para, em tese, fazer com que o ouvinte saiba o que vai ouvir, compartilham desses mesmos elementos, concluímos que a música é uma só: música. Pura e simples. E que, se levarmos em conta que essa combinação de melodia, harmonia e ritmo existe em qualquer canto do planeta (e talvez até em algum outro planeta com vida, quem sabe?), podemos considerar que a música é universal. Que não existe música brasileira, nem argentina, nem estadunidense, nem vietnamita, mas música terrestre.
Partindo desses princípios, venho dizer que, recentemente, testemunhei um verdadeiro exemplo de música pura e universal, feita com muita inteligência e muito coração, e capaz de confundir de vez a mente humana, acostumada a classificar todo e qualquer tipo de coisa em categorias.
Atendendo a um desses "n" convites no Facebook que volta e meia recebo de tanta gente, ontem cheguei à Casa de Artes Villa Mimosa (n. do a.: um dos patrimônios históricos de Canoas, recentemente reformado), sem conhecer nada do trabalho do cantor, compositor e instrumentista canoense Pedro Longes. O show estava prestes a começar, e eu não sabia o que esperar: haviam lá alguns violões, um baixo acústico, uma viola de 12 cordas, um grande kit de percussão e um piano digital Yamaha (aliás, bem parecido com um que tive tempos atrás). Mas quando tudo começou... Rapaz... Aquela formação tão simples, numa sala tão singela, soou como algo muito maior, imenso, grandioso... universal. Era como se todos os artistas das Américas, da África e da Europa se fundissem numa coisa só.
O repertório do show foi todo baseado no seu álbum de estreia, "Conexión", e também incluiu algumas versões de canções conhecidas. As letras falavam sobre diversos temas: amor, cotidiano, auto-imagem, natureza, sexo (sim, sexo), dentre outros, tudo colorido de poesia. Os arranjos musicais foram primorosos, sendo algo meio rock, meio gaúcho, meio MPB, meio latino, meio folk, meio progressivo, mas também prezando pela simplicidade, por evitar excessos. Houveram solos de todos os integrantes da banda de apoio, mas ao invés de apenas virtuosismos, desses do tipo "vejam como sou o melhor, vejam como toco rápido", o que permeou ali foi a musicalidade, a parceria, a colaboração em grupo, com os outros músicos fazendo apoio ao solista do momento. Pois, mesmo o show sendo de um cantor, o destaque foi de todo o conjunto, sem exceções.
Alguns convidados especiais pintaram por lá: a cantora Alessandra Cunha (talvez ela não tenha definido "cantora" em seu perfil no Facebook, mas poderia, pois tem um talento notável...), o pianista André Vicente (que consegue fazer tudo o que faz ao piano, mesmo com a triste limitação da ausência de visão) e um violonista, cujo nome não me recordo agora, mas que tocou magistralmente seu violão de 7 cordas nas duas últimas canções.
Ao final de cada número, e do show, longos e merecidos aplausos. Fazer um trabalho desse nível, atirando no escuro, apostando todas as fichas no risco, numa época onde o que vale é o imediatismo, o apelo de massa e o culto à mídia, é coisa para poucos. Muito poucos. E o que vi na minha frente foi um time de verdadeiros heróis...
Se fosse para definir que tipo de música saiu da voz do cantor e de todos aqueles instrumentos, eu diria que saiu... música. Boa. Muito boa. Excelente. Magnífica. Incategorizável (existe essa palavra?). Tradicional e moderna. Simples e complexa. Local e mundial. Tudo ao mesmo tempo. Música livre e desprovida de rótulos.
Minha reação após o show não foi outra: saí de lá com um exemplar do CD "Conexión" em mãos. Logo ele estará girando dentro do aparelho de som e provendo meus ouvidos com toda essa universalidade sonora. Mas bem que o álbum merecia uma edição em vinil, pois qualidade é o que ele tem de sobra...

Comentários