Reflexões de um músico formado às avessas



A música é um negócio muito curioso. Nós que vivemos nesse meio praticamente desde criança sabemos muito bem disso. E olha como tem sido as coisas para mim...
Quando dei meus primeiros passos ao piano (ou seriam primeiras dedadas nas teclas?), ainda criança, lá pelos idos de 1991, fui considerado por muitos como um futuro concertista. Estudei piano direto, quase que trocando completamente as brincadeiras da infância pelo instrumento. Eu meio que não tive infância propriamente dita, pois passei a maior parte do tempo treinando.
Muitos anos mais tarde, pouco antes de eu entrar na maioridade, tive o que considero ser minha estreia profissional, durante um espetáculo musical/teatral sobre a história do samba (lembra, né, Renata?), e pouco tempo depois ingressei na UFRGS para cursar Bacharelado em Música com habilitação em Composição. Maravilha, meu caminho estava definido.
Estava.
Em janeiro de 2004, tive uma doença que quase tirou minha vida. Nem gosto de lembrar. E não quero dar mais detalhes. Só sei que uns meses depois comecei a me reerguer, com fisioterapia e hidroterapia, aí então, aos poucos, voltei a tocar como antes. Mas a essa altura eu já estava afastado da faculdade, tanto por conta da doença como também pelo grande número de compromissos profissionais (sim, eu estava loucamente na ativa naquele tempo).
Me pego em 2009, após todo esse tempo afastado da faculdade por causa da doença e de tantos compromissos, reingressando na mesma, dessa vez para ir até o fim. No mesmo ano, me pego tocando numa banda focada em eventos, a BettyFull. Olha quanta diferença... De compositor em formação a tecladista de banda de eventos?! Faz parte. A vida musical é assim, dinâmica. Mas ao mesmo tempo em que eu estava nessa banda, também dei seguimento à faculdade de Composição, o que me tomou um tempão, a ponto de às vezes eu não ter tempo sequer para dormir.
Entre 2009 e 2011, a BettyFull e a faculdade de Composição tomaram conta da minha agenda por completo. Saí da BettyFull em 2011 a fim de focar no trabalho de conclusão de curso - uma peça eletrônica experimental e um relatório sobre a mesma -, me formando em janeiro de 2012.
Pois é. Sou um compositor formado. Eu poderia escrever sonatas, sinfonias, óperas, se quisesse. Mas, em se tratando de música, existe algo dentro de mim que fala mais alto: a liberdade. Coisa que uma composição de sonata, sinfonia, ópera etc. nunca me proporcionaria, pois eu teria que seguir fórmulas, obedecer normas, cumprir prazos, fazer tudo o que é exigido para obras desse porte. Não, prefiro simplesmente colocar em som tudo aquilo que me vem à mente naquele momento. Se eu ainda cantasse, tocasse violão e escrevesse letras, quem sabe eu estaria me apresentando por aí como "Eliseu Carvalho e banda", sei lá? Mas como nunca tive interesse em cantar (backing vocal é outra coisa), nem em tocar violão (mas me viro no baixo), nem em escrever letras (já tentei, mas fui um fiasco nisso...), fico no instrumental mesmo. E também fico no meu trabalho com bandas (hoje duas, amanhã mais?).
No final das contas, acho que sou um músico formado às avessas, pois não segui nada daquilo que estudei na faculdade (exceto a parte de tecnologia musical, é claro). Preferi esquecer regras e deixar o som fluir ao natural.
Se hoje, aos quase 35 anos, eu voltaria a estudar piano e ter contato com música erudita como antes? Talvez, se me desse na telha. Mas, por ora, fica assim.

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