Este texto foi escrito pensando nos leitores tecladistas, mas talvez o mesmo também possa se aplicar à vida de qualquer pessoa, fazendo as devidas adaptações.
Gosto de assistir a shows de bandas e artistas underground. Sempre que posso, observo como cada músico se porta no palco, quais os instrumentos que os mesmos usam, essas coisas. Sendo um cara das teclas, observo em especial os tecladistas dessas bandas, ou que acompanham esses cantores, ou o próprio artista (se for o caso de artista solo que canta e toca piano/teclado, por exemplo). Fico prestando atenção nos instrumentos e em como esses colegas de teclas costumam usá-los. Em muitos casos, vejo-os usando bem os instrumentos, aproveitando cada recurso que os mesmos proporcionam. Mas em tantos outros, vejo os instrumentos sendo subutilizados - e é sobre isso que quero falar.
Imagine que você, tecladista, tenha sido convidado para fazer parte de uma banda de renome em sua cidade. Maravilha! Vamos lá, ouvir o repertório, programar os instrumentos, aquecer os dedos, chegar chegando no ensaio. Legal! Agora, uma primeira pergunta: baseado no repertório da tal banda, que tipo de som você pensa em usar? Ou, que tipo de som cada música pede? A segunda pergunta: qual (ou quais) instrumento(s) você pretende levar para esse primeiro ensaio?
Em geral, quando ouvimos o repertório de uma banda para a qual fomos convidados, tendemos a pensar na hora no tipo de som a ser usado, assim como no(s) instrumento(s) que iremos necessitar. Só que, muitas vezes, acontece de ser necessário um determinado recurso que achamos que não temos no(s) nosso(s) atual/atuais instrumento(s), muitas vezes por falta de leitura do manual, falta de pesquisa, ansiedade, ou até por preguiça mesmo. Sem pensar duas vezes, já vamos correndo às lojas ver se achamos algum(ns) outro(s) instrumento(s) que cumpra(m) tal/tais requisito(s) - existe até um termo em inglês para isso: gear acquisition syndrome (artigo na Wikipedia aqui).
Porém, o que muitas vezes passa despercebido é que já podemos ter esse(s) recurso(s) à mão e nem sabemos. Inclusive eu mesmo já passei por isso tempos atrás. Vou contar a história agora.
Há cinco anos eu tinha um órgão portátil, de fabricação nacional, da marca Tokai, modelo TX-5 Classic.
Há cinco anos eu tinha um órgão portátil, de fabricação nacional, da marca Tokai, modelo TX-5 Classic.
Era um simulador de Hammond B3, com todos os recursos que se possa imaginar: drawbars, rotary speaker, chorus, vibrato, key click, percussion, dentre outros. Um instrumento perfeito para se tocar rock, jazz e blues, assim como reggae e MPB, eu diria.
O que aconteceu foi que um dia o Tokai TX-5 Classic teve um problema na placa-mãe, e o conserto foi bem caro. Resultado: acabei vendendo o instrumento por um valor bem abaixo do que paguei na compra, o que me deu um grande prejuízo. Passei anos a fio sem nenhum simulador de Hammond B3 - pelo menos, isso foi o que pensei.
No ano passado eu estava planejando adquirir outro instrumento parecido, um Roland V-Combo VR-09. Cheguei a fazer pesquisa de preços e até encontrei um à venda por um valor bem em conta. Mas então pensei comigo: "será que não tenho algo assim nos meus atuais instrumentos?" Nisso me veio à mente meu sintetizador Casio XW-P1, que dizia ter um "modo drawbar". Fui testar o recurso e, no começo, achei o efeito rotary speaker bastante estranho, o que me levou a crer que o melhor seria mesmo eu dar um jeito no tal V-Combo, já que era o simulador de Hammond B3 com o melhor custo/benefício que eu tinha visto até então. Mas então me veio outro pensamento: "já que o XW-P1 é sintetizador, será que não tem como ajustar a velocidade do rotary para que fique melhor?" Dito e feito. Ajustei a velocidade do efeito, que estava muito rápida (96, acho), para um valor mais baixo (primeiro 84, depois 90), e pronto. Tenho um "B3" em casa e eu nem sabia...
O que aconteceu foi que um dia o Tokai TX-5 Classic teve um problema na placa-mãe, e o conserto foi bem caro. Resultado: acabei vendendo o instrumento por um valor bem abaixo do que paguei na compra, o que me deu um grande prejuízo. Passei anos a fio sem nenhum simulador de Hammond B3 - pelo menos, isso foi o que pensei.
No ano passado eu estava planejando adquirir outro instrumento parecido, um Roland V-Combo VR-09. Cheguei a fazer pesquisa de preços e até encontrei um à venda por um valor bem em conta. Mas então pensei comigo: "será que não tenho algo assim nos meus atuais instrumentos?" Nisso me veio à mente meu sintetizador Casio XW-P1, que dizia ter um "modo drawbar". Fui testar o recurso e, no começo, achei o efeito rotary speaker bastante estranho, o que me levou a crer que o melhor seria mesmo eu dar um jeito no tal V-Combo, já que era o simulador de Hammond B3 com o melhor custo/benefício que eu tinha visto até então. Mas então me veio outro pensamento: "já que o XW-P1 é sintetizador, será que não tem como ajustar a velocidade do rotary para que fique melhor?" Dito e feito. Ajustei a velocidade do efeito, que estava muito rápida (96, acho), para um valor mais baixo (primeiro 84, depois 90), e pronto. Tenho um "B3" em casa e eu nem sabia...
Resultado: me livrei de ter que comprar outro instrumento só por causa do simulador de Hammond B3. Eu já tinha um em mãos, bastava fazer uns pequenos ajustes. E assim fiz. Hoje uso meu Casio XW-P1 como "órgão" no palco, direto. Com direito a drawbars, rotary speaker, percussion e tudo o mais que um bom Hammond precisa, sem ter que desembolsar nada mais por isso.
Essa minha história é um bom exemplo de como nós, tecladistas, temos uma mina de diamantes em casa, mas ainda quebramos a cabeça procurando pedras nas lojas. Se, ao invés de pensarmos apenas em "mais e melhor", "atualização", "novidade", nós pensássemos mais em ver o que nossos atuais instrumentos oferecem e em extrair o melhor possível dos mesmos, lendo o manual, pesquisando etc.; se, ao invés de ficarmos tão acomodados fazendo o feijão-com-arroz de sempre com os instrumentos que temos, achando que os mesmos só possuem isso, nós pensássemos fora da caixa e buscássemos coisas novas e diferentes dentro dos mesmos; seríamos muito menos ansiosos, afoitos e propensos a gastar, e seríamos muito mais produtivos. É o que estou tentando fazer agora: em vez de botar fora meus atuais instrumentos e sair gastando por aí apenas para ter aquele som específico, procurar pelo tal som dentro do que já tenho, editando todos os parâmetros, se necessário. Afinal, é para isso que serve um sintetizador: para você mesmo buscar seus sons, do seu jeito, tendo sua própria identidade musical.
Vamos pensar nos instrumentos menos como mercadorias, "moedas de troca", e mais como ferramentas de trabalho. Vamos extrair tudo o que eles oferecem de melhor, não importa se forem novíssimos em folha ou fabricados há quarenta anos. Vamos agir mais como verdadeiros tecladistas e menos como meros consumidores de produtos musicais eletrônicos.
Falando nisso, você ainda tem aquele instrumento guardado num canto? Ligou o mesmo? Explorou os recursos dele? Descobriu algo novo que até então nem imaginava?
Essa minha história é um bom exemplo de como nós, tecladistas, temos uma mina de diamantes em casa, mas ainda quebramos a cabeça procurando pedras nas lojas. Se, ao invés de pensarmos apenas em "mais e melhor", "atualização", "novidade", nós pensássemos mais em ver o que nossos atuais instrumentos oferecem e em extrair o melhor possível dos mesmos, lendo o manual, pesquisando etc.; se, ao invés de ficarmos tão acomodados fazendo o feijão-com-arroz de sempre com os instrumentos que temos, achando que os mesmos só possuem isso, nós pensássemos fora da caixa e buscássemos coisas novas e diferentes dentro dos mesmos; seríamos muito menos ansiosos, afoitos e propensos a gastar, e seríamos muito mais produtivos. É o que estou tentando fazer agora: em vez de botar fora meus atuais instrumentos e sair gastando por aí apenas para ter aquele som específico, procurar pelo tal som dentro do que já tenho, editando todos os parâmetros, se necessário. Afinal, é para isso que serve um sintetizador: para você mesmo buscar seus sons, do seu jeito, tendo sua própria identidade musical.
Vamos pensar nos instrumentos menos como mercadorias, "moedas de troca", e mais como ferramentas de trabalho. Vamos extrair tudo o que eles oferecem de melhor, não importa se forem novíssimos em folha ou fabricados há quarenta anos. Vamos agir mais como verdadeiros tecladistas e menos como meros consumidores de produtos musicais eletrônicos.
Falando nisso, você ainda tem aquele instrumento guardado num canto? Ligou o mesmo? Explorou os recursos dele? Descobriu algo novo que até então nem imaginava?
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