As surpresas encontradas nos instrumentos menos favorecidos


(fonte: Pixabay)
 
Nós, tecladistas, sempre temos a tendência de procurar aquele(s) instrumento(s) que suprem totalmente nossas necessidades, mesmo que isso signifique pagar valores altíssimos. Não raro, sacrificamos as economias de anos inteiros só para conseguirmos o instrumento dos nossos sonhos. Deixamos de comer por essa causa. Porém, muitas vezes não percebemos que várias surpresas podem estar escondidas naqueles tecladinhos super básicos, para os quais, em geral, não damos o menor crédito.
Vejam meu próprio exemplo logo abaixo.



Recentemente andei muito envolvido com produção musical, lançando nas plataformas digitais, em menos de meio ano, três álbuns (dois já lançados, um ainda por lançar), três coletâneas, dois EPs e mais de vinte singles. Frutos da ausência de shows e outros compromissos fora e do tempo de sobra para criar, compor, arranjar etc., durante a pandemia. Nisso, fui repensando minha forma de ver os instrumentos musicais eletrônicos: hoje já nem levo mais em consideração se um determinado teclado é sintetizador, arranjador etc.; vou pelo som, e isso é o que me importa. E, seguindo esse novo princípio, encontrei alguns timbres até então nunca imaginados - tirados dos instrumentos mais prosaicos possíveis...
Já devo ter falado aqui nesse blog diversas vezes sobre os dois teclados de um dos meus sobrinhos: um Yamaha PSR-175 e um Casio CTK-401. Fazia um bom tempo que eu estava com eles emprestados no meu estúdio - deles consegui tirar diversos sons para meu álbum mais recente, "Human" (a propósito, quem quiser se aprofundar mais quanto ao meu trabalho solo, pode visitar meu site e também me encontrar no Spotify, na Apple Music etc., além de visitar meu canal no YouTube).
Sobre o PSR-175: é um teclado super básico, voltado para quem ainda está aprendendo a tocar. Seus timbres são bastante comuns. Mas, de alguma forma, consegui tirar alguns sons interessantes - de seus 100 timbres, devo ter usado uns dois ou três, que se destacaram um pouco mais em relação aos outros. Foi um grande desafio conseguir extrair alguma coisa desse instrumento, mas, com todas as limitações, tive alguns resultados sonoros bastante peculiares... Uma faixa de "Human", chamada "The First Steps of a Lifetime", usa bastante um dos timbres dual desse teclado, um misto de piano elétrico com cordas que já vem pré-programado de fábrica (lembrando que o PSR-175 não permite fazer seus próprios Dual/Split). É aquilo: pesquisando bem, sabendo como extrair o melhor de cada instrumento, se consegue boas surpresas...
 
Yamaha PSR-175, foto de agosto de 2019
 
Sobre o CTK-401: se há um tecladinho um tanto quanto interessante, é esse. Assim como o PSR-175 já citado acima, ele também é super básico e voltado ao aprendizado musical. Mas ele tem sons bastante diferentes dos do Yamaha - de fato, se os dois fossem colocados juntos num mesmo contexto, se complementariam muito bem... Descobri no CTK-401 uma boa quantidade de pads e outros timbres sintetizados que se destacaram por aqui - um deles, chamado "Echo Drop", foi bastante usado em outra faixa de "Human", chamada "The Needs" - essa faixa remete bastante ao freestyle do final dos anos 80 e início dos 90, pensando em The Voice in Fashion, Information Society etc., e esse timbre caiu perfeitamente no contexto. Tu vê... Acho que, se eu fosse tentar criar um timbre similar com os sintetizadores do estúdio, nem chegaria perto do que já estava prontinho e pré-programado naquele arranjadorzinho básico...

Casio CTK-401, foto do início de 2021
 
Tempos antes de iniciar os trabalhos em "Human", ainda em outubro de 2020, criei um pequeno vídeo de demonstração do CTK-401, experimentando alguns de seus timbres e imaginando a possibilidade de usos futuros:


Previ o uso desses sons em trabalhos futuros - o que de fato aconteceu, em alguns vídeos do meu canal e, principalmente, no álbum "Human". Aí vão dois exemplos de vídeos onde o CTK-401 se destaca:
 

 
Além disso, ainda no início de 2021, cheguei a lidar com um terceiro instrumento super simples - esse ainda mais simples que os dois citados neste texto: um Joy JK-60. "'Joy'? Que diabos é isso?", talvez alguém possa estar se perguntando agora. Explicando: é uma marca chinesa, distribuída no Brasil como "Benoá". Peguei um desses tecladinhos por parcos R$290,00 numa famosa loja de departamentos, só de curioso, e resolvi brincar um pouco com ele. Depois, decidi que o mesmo também seria usado em "Human" - o que, de fato, não aconteceu, pois me apertei numa hora e, precisando de dinheiro rápido, acabei vendendo-o dias depois da compra. Mas, ainda assim, pude fazer vários testes nele e descobri, através disso, que mesmo os tecladinhos mais medíocres possíveis poderiam trazer resultados sonoros inusitados - exemplo: combine qualquer dos seus sons com Vibrato, processe externamente com reverb e você terá umas texturas bastante interessantes.

Joy (Benoá) JK-60 - foto do início de 2021

Então, aquele coitado daquele tecladinho que você despreza, do qual fala mal, que não recomenda, que considera um brinquedo etc., pode lhe trazer alguns quitutes musicais que você nem imaginaria. Estamos tão presos às últimas tendências tecnológicas do universo das teclas que esquecemos de olhar para além daquilo que o mercado manda. Foi numa dessas olhadas por fora que descobri um mundo de outras possibilidades sonoras que, embora muito desprezadas pelo mercado musical moderno, podem ter um alto valor artístico/composicional. Claro, não espere encontrar super pianos, super sintetizadores etc. em teclados desses; a ideia é ser criativo a partir das limitações próprias desses instrumentos. Pensando dessa forma, você se surpreenderá...
Hoje já não consigo mais categorizar instrumentos musicais eletrônicos - todos têm igual importância no meu estúdio, sejam super sintetizadores, sejam os arranjadores mais simples e comuns que existem. Atualmente vejo meu estúdio não mais como um monte de instrumentos diferentes, mas como uma só entidade, de onde posso extrair meu trabalho. Mudei totalmente meus conceitos, desde o primeiro momento em que consegui tirar sons inusitados a partir daquele CTK-401 - se formos olhar bem, lá no fundinho, trocando em miúdos, todos os teclados são iguais: todos têm teclas e alguma forma de gerar o som. Não vejo o porquê dessa "neura" de "ter que ser top", quando se trata de criação musical. Assim também é com plug-ins - são versões em software de algo que já existia em hardware: os instrumentos musicais eletrônicos. E, lá na essência: todos são iguais: geram som.
E você, tecladista, já se imaginou desafiado a extrair o máximo do mínimo?

Comentários