Quem me conhece sabe que, desde o início da minha carreira como pianista e tecladista profissional, venho fazendo de tudo para tentar melhorar meu som, recorrendo a todos os meios possíveis para chegar a determinados objetivos. Muitas vezes isso significa grandes investimentos, pagamento em "n" prestações, vendas e trocas frequentes de instrumentos, pesquisa constante, enfim, quem é da área sabe como as coisas funcionam. Porém, já fazia muito tempo que eu andava num ciclo vicioso de comprar-vender-trocar, quase sempre por impulso, sem pensar, e na grande maioria das vezes me dando muito mal - perdendo dinheiro, tendo que dar infinitas explicações para algo que eu não podia explicar, entrando em desespero por não poder adquirir aquele instrumento bacana que vi num site de uma loja, enfim, situações comparáveis às de viciados em drogas e/ou bebidas, quando gastam tudo o que têm nas mesmas, inventam vários motivos para continuarem recorrendo a essas coisas e fazem literalmente de tudo e mais um tanto para sustentarem seus vícios.
Eu estava viciado, mas não queria admitir. E meu vício envolvia algo bem maior que bebidas e/ou cigarros: instrumentos musicais eletrônicos.
Eu tinha GAS (Gear Acquisition Syndrome). Para quem não sabe, esse é um problema MUITO sério, que afeta vários músicos, em especial tecladistas, e que faz os mesmos gastarem o que não possuem, apenas para aumentarem seus sets e satisfazerem sua ansiedade com muito mais tralha do que o necessário para se trabalhar. Muitos tecladistas portadores de GAS tiveram débitos enormes - alguns chegaram a ter dívidas milionárias.
Repito: eu tinha GAS. E me curei.
Como?
Foi BEM difícil.
Primeiro veio o passo mais doloroso de todos: me desfazer de vários instrumentos que já não me faziam mais nenhum sentido, mas que ainda estavam aqui, pois eu ficava extasiado com todo aquele auê de teclas no meu estúdio, parecendo vários monstros sorridentes inanimados. Estavam todos empilhados na sala, roubando muito espaço, tornando a atmosfera do lugar sufocante, mas ainda assim eu me gabava por tê-los colocado ali, mesmo que a maioria não fosse mais usada. Eu acumulava instrumentos de forma quase instintiva, nunca pensando nas consequências de nada, e agora me vi obrigado a fazer uma escolha vital: ou eu acabaria de vez com essa acumulação de equipamento e aprendia a economizar, ou eu acumularia instrumentos para o resto da vida e ficaria prestes a entrar na lista dos endividados. Se por um lado eu queria mudar nesse aspecto, por outro eu sentia pena de todo aquele mundaréu de teclas ao meu redor, então, foi uma decisão dificílima, sofrida mesmo. Mas nessa hora precisei ser muito mais forte do que qualquer sentimento de pena - ou eu hoje poderia estar no cadastro do SERASA.
Resultado: decidi consignar a grande maioria dos instrumentos, mantendo apenas alguns poucos, os que realmente uso no meu trabalho como músico. Tecnicamente todos esses instrumentos consignados ainda são meus, porém, atualmente encontram-se numa loja, onde os deixei para tentar vendê-los. Em caso de venda, parte do valor arrecadado será usado para quitar débitos pendentes e o restante irá para minha nova poupança.
Set de instrumentos remodelado - adeus, acúmulo desnecessário
O passo seguinte foi parar de ver classificados de instrumentos por um bom tempo. Antes, cada vez que eu via qualquer anúncio desse tipo, já ficava louco, tentando imaginar formas de comprar aquele item - eu nem pensava na utilidade prática do instrumento, só ficava babando por causa da foto e por imaginá-lo junto com o resto do equipamento no estúdio.
Hoje, no entanto, a situação é bem diferente. Vez que outra ainda vejo algum anúncio de instrumento, mas antes de mais nada penso se uma compra dessas realmente valeria a pena, se realmente faria algum sentido, ou se seria apenas mais um item na minha sala (coisa que atualmente evito ao máximo). Tive que me policiar MUITO nesse aspecto, desde o momento em que levei toda aquela massa de teclados para consignação, a fim de não cair de novo na tentação de sair comprando. O começo foi terrível - nas primeiras vezes em que voltei a ver anúncios desses após um bom tempo de abstinência, fiquei muito nervoso, pensando que todo aquele esforço de pôr fim ao acúmulo de instrumentos poderia ter sido em vão. Porém, sempre que isso acontecia, eu também fazia de tudo para recobrar a consciência e perceber que não haveria nenhuma necessidade daquilo, que eu poderia fazer meu trabalho apenas com os instrumentos que já tenho, que não havia motivo algum para fazer mais prestações. E agora, graças a Deus, consigo ver esses anúncios sem ficar com nenhuma sede de compra, apenas para fins de curiosidade (por exemplo: quantos timbres, qual polifonia etc..). Não acontece mais de eu ficar tentado a clicar no "Comprar" a cada vez que vejo um instrumento anunciado.
Ficar tentado em comprar de novo? Não mais, obrigado. (fonte)
E qual foi o último passo para eu dar o adeus definitivo à GAS na minha vida? Trabalhar. Isso mesmo. Fazer música. Compor. Praticar. Ensaiar com as bandas. Exercer atividades na minha área, a fim de manter minha mente centrada e acabar com qualquer possibilidade de recaída ao vício em aumentar o set. É como uma reeducação alimentar: no início é bem difícil, mas com o tempo você acostuma seu organismo a uma dieta mais saudável. Assim sou eu com os instrumentos agora: se antes eu martirizava meu cérebro pensando em "n" possibilidades de comprar aquele teclado super super que vi em algum site por aí, hoje isso já não acontece mais - minha consciência fala muito mais alto e isso me faz ter total controle da situação.
Feliz com o piano - e com o set reduzido (fonte: arquivo pessoal)
O nível de GAS em mim era extremo. Se eu não tivesse tomado vergonha na cara e a iniciativa de acabar com a GAS, ela certamente teria acabado comigo. Eu, na minha ansiedade, provavelmente já estaria pedindo empréstimo nas financeiras para sustentar esse vício terrível.
Mas finalmente aprendi a lição e, se hoje tenho completo controle sobre minhas finanças, é tudo graças ao fim da GAS. Isso não quer dizer que eu nunca mais vá comprar instrumentos na vida (até porque isso é inerente ao universo das teclas); o que quer dizer é que, antes de fazer qualquer compra nesse sentido, primeiro preciso saber se isso é realmente o que quero, se o dinheiro investido não fará falta lá na frente, se essa atualização é mesmo necessária (porque hoje em quase 100% das vezes consigo descobrir os recursos que procuro dentro dos meus próprios instrumentos, sem necessidade de compras) etc.. Em outras palavras: controle financeiro e equilíbrio mental.
A GAS é a pior inimiga dos tecladistas, mas muitos não percebem. Quando veem, já é tarde demais. Ainda bem que me livrei das garras dessa síndrome... Antes que ela me aniquilasse por completo.
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