Como construir um grande set de instrumentos


Na postagem anterior, falei sobre a falta que faz estudar a fundo um instrumento musical eletrônico, a fim de descobrir possibilidades até então deixadas de lado, por falta de pesquisa, conhecimento etc.. Na de hoje, em contrapartida, a ideia é dar umas dicas sobre como construir um grande set de instrumentos, sem que isso prejudique o orçamento e a qualidade do trabalho musical.
Quem é tecladista e costuma assistir a shows de bandas famosas, seja ao vivo, na TV, no YouTube etc., nas quais aparecem sets com vários instrumentos no palco, em geral fica se perguntando: "como é que aquele cara consegue?!" Então, a história é longa, e já digo de antemão: não foi da noite para o dia.
Não conheço nenhum tecladista que nunca sonhou ter à mão todos os instrumentos que gostaria para seu trabalho. Eu mesmo não sou exceção, estou nessa busca incessante desde o momento em que meu velho Technics KN1500 pifou - há quase catorze anos. Já falei sobre isso numa postagem anterior, na qual mencionei, dentre outras coisas, que, no início de 2005, a fim de substituir o antigo teclado, comprei um Yamaha DGX-205, que tinha mais uma oitava, porém, bem menos recursos; então, também consegui um Roland EM-50, para ter mais sons e funções disponíveis; e isso deu origem à minha pesquisa contínua sobre novos instrumentos, às atualizações anuais etc., que, aos poucos, foram me levando a meus atuais nove teclados (AMW P49, Alesis V49, Casio XW-P1 Chrome Orange, Korg KingKORG, Korg Monologue, Kurzweil KA-90, Medeli mc780, Yamaha MX61, Yamaha PSR-E453), um módulo sintetizador (E-MU Orbit 9090 V2) e um laptop (Dell Inspiron 14R executando Ubuntu Studio 18.04) com plug-ins (amSynth, QSynth, samplv1). Há itens aí aparentemente aleatórios, mas, na verdade, cada um tem seu papel no meu home studio. Bom... Isso é assunto para depois.


Meu set atual de instrumentos - clipe de 17/03/2019

O que quero dizer é que, quando se trata de construir um grande set de instrumentos, é necessário levar vários fatores importantes em consideração, sobre os quais falarei a seguir.



1. ECONOMIA
É claro que o primeiro assunto aqui é a economia, não teria como ser diferente. Sintetizadores, pianos digitais etc. são instrumentos caros, em sua grande maioria. Em alguns casos mais extremos, podem chegar a custar o mesmo, se não mais, que um carro popular 0km. Então, baseado nesse fato, é preciso saber que, para poder construir um set assim, você precisa abrir mão de um bocado de coisas: celulares de última geração, baladas caras, roupas e calçados de grife, joias e relógios chiques, restaurantes ultra-refinados, viagens de avião em classe executiva, carros importados, e por aí vai. Contente-se com um celular simples, festinhas baratas, roupas e calçados comuns, semijoias, comidinha caseira feita pela mamãe, passeios aí por perto e aplicativos de transporte. Em outras palavras: elimine todo e qualquer gasto supérfluo, usando somente o mínimo necessário para o próprio sustento. Você precisará hangariar muitos, muitos, MUITOS fundos, a fim de realizar esse projeto.
Construir um grande set de instrumentos requer um alto nível de educação financeira, e uma dica que funcionou muito bem comigo foi ter duas contas bancárias, uma para uso diário e outra exclusivamente para poupança. Essa conta de poupança é intocável e voltada exclusivamente para o investimento no meu set. Dessa forma não caio no erro de jogar tudo numa vala comum e acabar gastando mais do que preciso.



2. PLANEJAMENTO


Um grande set de instrumentos não é tão somente um grande número de teclados. Você precisa saber exatamente aquilo que quer, de forma a haver o mínimo possível de redundâncias (de preferência, sem as mesmas). Por exemplo: de que adiantaria você comprar dois pianos digitais, ainda que de marcas e modelos diferentes? Basta um. Em tempo: estamos falando da construção do seu set, não de compras de vários instrumentos idênticos para uma escola de música - aí é outra história, totalmente nada a ver com esse tema.
A exceção aí é quanto aos sintetizadores. Você pode comprar dois idênticos e fazê-los soarem radicalmente diferentes, como se fossem dois instrumentos distintos. Mas, de preferência, não repita modelos, seja qual for a categoria de instrumento.
Minha dica de planejamento é começar por um piano digital, de preferência portátil. O piano costuma ser a base do trabalho com teclados na maioria dos casos, e existem modelos bem em conta por aí. Uma boa recomendação é testar pessoalmente os instrumentos, pois cada piano tem suas próprias características, e é melhor encontrar um que atenda às suas necessidades e ao qual seus dedos se adaptem bem.
Após o piano, você pode começar a pensar em outros tipos de instrumentos: arranjadores (instrumentos com acompanhamento automático, muito usados em trabalhos com teclado e voz, por exemplo), sintetizadores (instrumentos cujo foco é a construção e edição de timbres), workstations (instrumentos multitarefa, que podem ser usados para virtualmente qualquer coisa: edição de timbres, gravação multipista, performance ao vivo, dentre outras) etc..
Lembrando que essa não é uma ordem obrigatória, é apenas minha sugestão. Talvez você precise, num primeiro momento, de um sintetizador, depois venha um piano; talvez seja o caso de apenas sintetizadores; ou piano e órgão; enfim, há um sem-número de possibilidades. O mais importante é planejar tudo muito bem antes de partir para as compras.



3. COMPRAR COM RESPONSABILIDADE


OK, você conseguiu uma boa verba para comprar o primeiro instrumento para seu grande set, já sabe mais ou menos o que será, e agora é hora de partir para a compra propriamente dita. Aí, você visita as lojas (ou os sites/aplicativos das mesmas), vê todas as opções disponíveis para a categoria de instrumento que você procura... E agora, qual escolher?
É bem normal ficarmos muito empolgados em comprar e acabarmos escolhendo o instrumento errado, por impulso, ansiedade ou qualquer outro motivo. E é isso que precisamos evitar a qualquer custo, pois uma compra, uma vez feita, não pode mais ser cancelada (em alguns casos até pode, mas a dor de cabeça será enorme...). Então, a dica aqui é pesquisar muito, analisar todos os prós e contras de cada instrumento, verificar se o escolhido cabe no seu orçamento (evitar cair na tentação das "n" prestações do cartão de crédito - parece que fica barato, mas o preço no final pode ser muito mais alto do que realmente é) etc.. Pense muito bem antes de fechar negócio; veja se é isso mesmo que você quer. Depois, não adianta querer voltar atrás - a vida não tem "CTRL+Z", né...
Eu mesmo caí numas compras por impulso que me causaram altos prejuízos. Daí tirei várias lições. Hoje não acontece mais, pois vejo tudo de antemão antes de fechar a encomenda.



4. NÃO É SÓ INSTRUMENTOS


Beleza, você já está com seu(s) instrumento(s) em mãos, e quer logo começar a estudá-lo(s). Mas... Onde é mesmo que você deve colocá-lo(s)? E como fazê-lo(s) "falar(em)"?
Muita gente comete o erro de planejar a construção de um set de teclados sem levar em consideração os muitos outros itens necessários para tal.
Não há como querer ter teclados no estúdio, no palco, em casa, na igreja etc. sem estantes. Onde você vai por os instrumentos para tocar? No colo é que não dá... A não ser que estejamos falando de keytar (aqueles teclados de pendurar no pescoço, à la final dos anos 80, digamos), mas ainda assim... E mais: é importantíssimo verificar o peso bruto de cada instrumento - não é nada legal colocar um teclado de 20kg numa estantezinha que não aguenta nem 10kg, a cena é lamentável. Portanto, adquira estantes resistentes o suficiente, que suportem o peso total do(s) instrumento(s) com folga.
Outra coisa: sendo que uma enorme parte dos teclados não possui falantes internos, como você vai ouvi-los, se não tiver nenhum sistema de monitoramento do som? Mesmo os que possuem os tais falantes (os PSR da Yamaha, ou os WK da Casio, por exemplo) não teriam som interno suficiente para aguentar o tranco - e você igualmente precisaria conectá-los a um sistema de som externo, não há como fugir disso. Então, montar um set de teclados significa também a necessidade de investir pesado em áudio - contando aí amplificadores, cabos, mesa de som e tudo o mais.


Sendo que a meta é construir um set grande, você fatalmente necessitará de uma mesa de som com o número mínimo exigido de canais. Se levarmos em consideração que a maior parte dos instrumentos é stereo, podemos dizer que o número de canais necessários corresponde ao dobro do número de instrumentos do set. Exemplificando: se você montou um set com quatro teclados, precisará de oito canais; se o set tem seis teclados, serão doze canais; e assim por diante. Os instrumentos, em geral, também dão a possibilidade de conexão monaural, via saída L/MONO ou R/MONO - esse tipo de conexão é muito usado em PAs de palco, já que a espacialização do som é feita pelo operador de áudio. Mas em se tratando de home studio, uma conexão stereo é sempre mais recomendada. Em todo caso, considere a conexão stereo por padrão.
Falei em conexões, foi? Então, aproveito para dizer que você deve cuidar muito na hora de comprar os cabos para conectar seu(s) instrumento(s) ao sistema de som. Cuidado com cabos muito finos, longos e sem blindagem - com eles é muito fácil haver interferência de fontes externas, como sinal de celular, rádio, TV e outros. Escolha cabos blindados, mais curtos e grossos, pois são os melhores transmissores de sinal. O tamanho máximo que recomendo é 10m, e a largura mínima é de 0,6mm. Outra coisa: cabos requerem o máximo possível de cuidado, a fim de não quebrarem, nem nas pontas, onde ficam os conectores, nem no meio. Não pise, não passe por cima com as rodinhas da cadeira onde estiver sentado, não enrole em tamanho muito pequeno na hora de guardar. E, ao menor sinal de falha de transmissão, leve-os a um técnico em eletrônica de confiança - ele saberá o que fazer.
Resumo da ópera: investir em estantes e áudio de alta qualidade é tão importante quanto montar o set de instrumentos propriamente dito. Pense nisso.



Fora esses quatro fatores, existem vários outros, como: divida o papel de cada instrumento no set, escolha os timbres com sabedoria, leia os manuais de instruções, etc..
Para terminar: considere que um set de instrumentos assim é uma enorme fonte de timbres, recursos e ferramentas de trabalho musical, pela qual você precisa zelar muito. Você possui uma relíquia inestimável em mãos, a qual pode ser muito cobiçada, ou muito desprezada por quem não entende do assunto. Mas isso nunca vem ao caso. É SEU set, voltado ao SEU trabalho. Foi VOCÊ quem o construiu, e nada mais importa.

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